quinta-feira, 26 de março de 2015

Machado de Assis, o Epiléptico

           Vinte e seis de março é o dia mundial de conscientização sobre a epilepsia, um distúrbio cercado de mitos e preconceitos desde o Egito antigo. Ao longo de milênios de ignorância, várias hipóteses foram postuladas para explicar as crises epilépticas: punição dos deuses, incorporação de espíritos ou até mesmo, coisa do demônio. No Brasil do século XIX, a epilepsia era considerada doença mental, relacionada à insanidade e pasmem, à criminalidade. Os portadores eram internados em manicômios. Alguns países esterilizavam os doentes mentais entre eles, os epilépticos, para que não transmitissem a enfermidade. Foi neste contexto que nasceu o maior escritor brasileiro: Machado de Assis.


Nascido sob condições adversas, suas chances de ascensão social eram extremamente improváveis. Ele era franzino, pobre, sem estudo regular, gago, descendente de escravos e ainda por cima, epiléptico! Apenas um talento genuíno o faria superar o preconceito racial e o estigma da epilepsia em plena época da escravidão no Brasil. Ele escrevia maravilhosamente em todos os gêneros literários desde os 16 anos.
Nesta época não havia tratamento eficiente e o escritor tinha que conviver com a angústia de ter uma crise epiléptica a qualquer momento. Sua esposa e os amigos tratavam de socorrê-lo evitando que o conhecimento do seu transtorno se espalhasse. A primeira pergunta que fazia ao recobrar a consciência era: Alguém viu? Ele vivia assombrado pelo medo da ocorrência de crises em público o que poderia resultar numa internação em um manicômio.
Em 1896, Machado de Assis fundou a Academia Brasileira de Letras. Conquistou seu espaço em um ambiente extremamente intelectualizado e elitizado colocando abaixo todas as ideias preconceituosas sobre superioridade social e racial. Tampouco a epilepsia o impediu de demonstrar sua extrema inteligência e capacidade intelectual.   

Felizmente a medicina evoluiu e descobriu que a epilepsia é causada por  um distúrbio da atividade elétrica do cérebro.  Hoje existem medicamentos eficientes e a maioria dos pacientes leva uma vida normal como outros portadores de doenças crônicas como o diabetes, a asma e a hipertensão.  A sociedade também precisa evoluir e acabar com o preconceito milenar que atinge a epilepsia e outros transtornos do cérebro.  
Dra. Lúcia Machado Haertel - Neurosaúde - Blumenau (47) 3322-1522 

segunda-feira, 9 de março de 2015

A atividade física e a memória

                                                                                           
                 A ideia de que nascemos com todos os neurônios que vamos ter ao longo da vida sofreu modificações na última década. Existem duas exceções. Uma delas é o hipocampo onde neurônios novos são produzidos diariamente. No entanto, tais neurônios tem vida curta. Não são como os velhos, os quais, gerados na vida fetal, serão nossos companheiros para o resto da vida!  
                 O hipocampo é uma pequena área do cérebro responsável pela aquisição de novas memórias. Tudo o que vivemos e aprendemos no dia a dia passa por ele na fase de aquisição. Depois que a memória está consolidada, ela é transferida para diversas áreas cerebrais propiciando seu armazenamento à longo prazo. Terminado este processo, os neurônios novos perdem sua função e morrem.
                Os neurônios novos do hipocampo continuam sendo produzidos ao longo de toda a vida. Portanto, embora a capacidade de aprendizagem de jovens seja incomparável à dos idosos por diversos fatores, pessoas mais velhas ainda possuem boa capacidade de adquirir novos conhecimentos. Essa informação motivar os idosos a continuarem tendo uma vida intelectualmente ativa e vivendo novas experiências. 
                Sabe-se também que, na depressão, ocorre redução da produção desses neurônios e os hipocampos dos pacientes deprimidos costumam ser menores do que a média. Isto explica os problemas de memória frequentemente observados nesses pacientes. O stress crônico também causa morte de células dessa área do cérebro.
                Outra novidade instigante é que estudos demonstraram que antidepressivos (como a fluoxetina, por exemplo) aumentam a produção de neurônios novos no hipocampo. Calma! Nem pensem em começar a toma-la para melhorar a memória! Não há evidências de que o remédio tenha o mesmo efeito em pessoas não deprimidas, e não quero, de forma alguma, contribuir para o já excessivo uso de fluoxetina na epidemia mundial de depressão.
                Se a questão é melhorar a memória, há uma solução bem mais fácil e saudável! Está provado que o exercício aeróbico também aumenta a produção de neurônios novos no hipocampo, tanto em deprimidos como em não deprimidos. Portanto, pode melhorar a memória! A atividade física tem  inúmeros benefícios que todos conhecemos: melhora o sistema cardiovascular, previne infartos cerebrais e do coração, melhora o controle de hipertensão e do diabetes. Além disso, são baratos, fáceis, naturais, estimulam a socialização e só dependem de motivação.  Vencida a preguiça, passamos a sentir prazer com a atividade física, através da liberação de dopamina e endorfinas, sendo que as últimas reduzem também a dor e desconforto físico. A atividade física estimula também a produção de  prolactina - um calmante natural para o cérebro -, reduzindo os efeitos negativos do stress. Toda esta “química cerebral” aumenta a produção de neurônios novos no hipocampo!
                Assim, para melhorar o funcionamento geral do nosso cérebro e nossa memória, ao invés de mandar colocar fluoxetina na água encanada, “bora” todo mundo malhar!

Lucia Machado Haertel, Publicado também na Revista Tie Break