É comum
ouvirmos falar sobre a apneia do sono em adultos. O que poucos sabem é que a Síndrome
da Apnéia do Sono Obstrutiva, (SASO) é também comum na infância. A SASO infantil pode ocorrer em qualquer idade sendo mais comum no pré escolar. Pode ser
definida como: episódios repetitivos de interrupção total ou parcial do fluxo
das vias aéreas superiores com manutenção do esforço respiratório. É causada pela redução do calibre das vias
aéreas. A fragmentação
do sono e as alterações nas trocas gasosas podem causar prejuízos à saúde da criança.
A principal
causa de obstrução anatômica é a hipertrofia das adenóides, seguida pelas alterações craniofaciais, particularmente a retromicrognatia e alterações do palato . A obstrucão é acentuada durante o sono devido ao relaxamento muscular. No entanto, amígdalas e adenóides sozinhas nem sempre são capazes de
causar SASO. Algumas crianças têm amígdalas e adenóides enormes sem SASO
enquanto outras continuam tendo apnéia mesmo após retirá-las. Não se pode, portanto, considerar apenas o seu
tamanho para o diagnóstico de SASO. Além disto, algumas características da SASO
na infância podem dificultar o diagnóstico.
No quadro
clássico, observa-se ronco interrompido por pausas ou engasgos e associados a
movimentos ou despertares. Entretanto alguns pacientes, especialmente lactentes
ou aqueles com fraqueza muscular, podem não roncar. A história clínica também
inclui sono inquieto, sudorese noturna , boca seca, cefaléia matinal, dormir em
posições não usuais como sentadas ou com hiperextensão do pescoço, arritmias
sinusais, enurese, respiração oral. No entanto, o quadro clínico clássico não é a
apresentação mais freqüente na infância. A Síndrome da Resistência das Vias Aéreas
Superiores, (SRVA), e a Hipoventilação Obstrutiva Contínua são muito comuns. É necessário alertar para a existência destas formas mais leves de SASO,
que tem como principal conseqüência distúrbios neurocomportamentais e de aprendizagem e que são muito pouco
diagnosticadas no nosso meio.
A SRVA é
caracterizada por ronco contínuo e/ou respiração oral associados à repetidos microdespertares relacionados a
esforço respiratório, sem apnéia, hipopneia ou dessaturação identificável, mas
com aumento da pressão negativa esofageana. É comum a presença de respiração
paradoxal. Está associada a significativo prejuízo cognitivo e comportamental
em crianças, incluindo hiperatividade, déficit de atenção, dificuldades de
aprendizagem irritabilidade e agressividade. O ronco
ocorre na maioria dos casos, mas existe a SRVA sem ronco. A Hipoventilação Obstrutiva
consiste em longos períodos de obstrução parcial, acompanhada por alterações
gasosas mas não de apnéias ou hipopnéias francas.
O principal
diagnóstico diferencial da SASO é o ronco primário que afeta 10% das crianças. Esta
distinção não pode ser feita clinicamente, pela história, avaliação do ronco ou
do tamanho das adenóides. As formas mais leves de SASO não são percebidas clinicamente
porque não existe a apneia franca. Portanto, o ronco primário só pode ser
distinguido da SASO pela polissonografia em clínica de sono, que é o exame de escolha para
diagnóstico e avaliação de gravidade.
Diante
destas características é fácil concluir que na maioria das vezes, apenas os casos
mais graves com apneias evidentes são diagnosticados. O reconhecimento de
prejuízos neurocognitivos em crianças
com formas mais leves tem feito os clínicos repensarem o limiar de distúrbio
que requer intervenção.
CONSEQÜÊNCIAS
As conseqüências da SASO, dependem da
gravidade do quadro e vão desde os distúrbios neurocomportametais já descritos
até hipertensão pulmonar e sistêmica e atraso de crescimento. A sonolência
diurna, característica do adulto, é vista apenas em crianças maiores e
adolescentes.
A hipoxemia representar risco potencial para o vulnerável
cérebro em desenvolvimento. A hipertensão arterial sistêmica associada à SASO, comum na
população adulta, ocorre devido à
ativação simpática intermitente durante os microdespertares. Na infância, devido
a grande complacência vascular a elevação da PA não é tão proeminente mas pode
contribuir para futura hipertensão no adulto.
Recentemente
tem se dado maior ênfase às conseqüências comportamentais e cognitivas da SASO.
Tem se verificado maior incidência de TDAH, (Transtorno do Déficit de Atenção e
Hiperatividade), em crianças com SASO. Os sintomas são semelhantes ao quadro
típico de TDAH. A história do sono deve ser sempre pesquisada nestes pacientes,
principalmente se o caso não preenche completamente os critérios ou não houve
resposta ao tratamento. Se existe relato de ronco está indicado realizar uma
polissonografia. Existem inúmeros
relatos na literatura de melhora do desempenho, aprendizado e comportamento
após o tratamento. O tratamento tardio pode resultar em déficits acumulados no
aprendizado que necessitarão de apoio pedagógico.
A cada
apnéia ou hipopnéia segue-se uma reação de despertar observada ao
eletrencefalograma que não se torna consciente, mas que permite um aumento do tônus
muscular necessário para permitir uma inspiração profunda que encerra a apnéia
e normaliza a saturação de oxigênio. Nas formas mais graves podem ocorrer centenas de microdespertares e
isto dificulta a passagem para o estágio mais profundo do sono, a fase IV,
podendo afetar a secreção do hormônio de crescimento que ocorre nesta fase. O
atraso de crescimento frequentemente observado tem múltiplas causas além da
possível redução na secreção do GH. A hipoxemia,
acidose, aumento do esforço e do gasto energético da respiração são os
principais fatores envolvidos. Além disto, perda de apetite devido à perda do
olfato, disfagia e inapetência podem contribuir.
TRATAMENTO
Um dos maiores dilemas na medicina do sono na infância é quando tratar o distúrbio respiratório. Não há duvidas quanto ao tratamento
da SASO severa que pode levar a cor pulmonale e atraso no crescimento. Existe
também consenso de que o ronco primário não deve ser tratado com cirurgia. O
grupo com alterações polissonograficas discretas é o controverso e o limiar de
distúrbio que deve ser tratado não está bem definido na literatura. A adenotonsilectomia
é o tratamento de escolha na maioria dos casos e geralmente leva a cura. Há recuperação da velocidade de crescimento,
assim como das funções cognitivas e do comportamento após a cirurgia.
Nos casos de
SASO em que as amígdalas e adenóides são pequenas porém existem outros fatores
como dismorfismos faciais, Síndrome de Down e Paralisia Cerebral associados, a
cirurgia deve ser considerada. Levando em consideração que a SASO resulta de
fatores anatômicos e funcionais, aumentar a via aérea o máximo possível é sempre
desejável nestes casos. Porém, uma reavaliação posterior será necessária para verificar
a necessidade de tratamento suplementar. Algumas alterações do palato e da ardada dentária podem causar SASO e podem ser tratadas com aparelhos ortodonticos. Nos pacientes que não melhoram ou quando a adenotonsilectomia
é contra indicada, o CPAP passa a ser uma opção. Cirurgias
craniofaciais são indicadas em casos específicos assim como perda de peso.
Alguns pacientes continuam a roncar e ter
apneias após a cirurgia. Nestes casos, a hipertrofia adenoamigdaliana pode ser apenas um fator
exacerbador em pacientes que tem alguma outra anomalia estrutural ou funcional.
Uma nova polissonografia deverá ser solicitada após 8 semanas de pós operatório.
CASO CLÍNICO
Criança de 9 anos, sexo masculino, realizou
adenoamigdalectomia aos 4 anos e referia ausência de ronco desde então. Foi à
consulta devido à dificuldade de aprendizado significativa, necessidade de
acompanhamento psicopedagógico, apatia sinais compatíveis com déficit de
atenção sem hiperatividade. Foi iniciado tratamento com metilfenidato com pouca
resposta. A anamnese do sono evidenciou sonolência diurna, ausência de ronco, sono perturbado,
inquieto, presença de despertares e a opção da própria criança de dormir com dois
travesseiros. Ao exame clínico evidenciou-se micrognatia. A
polissonografia, (abaixo), evidenciou índice de 12 apnéias/hipopnéias por hora,
20 microdespertares por hora, saturação mínima de 85% e redução na proporção
das fases IV e REM do sono. O quadro foi considerado grave pelos parâmetros
polissonográficos infantis. Foi indicado o uso do CPAP até que se estudasse
melhor a possibilidade de cirurgia bucomaxilofacial .
Fig.1: Amostra da polissonografia do paciente acima evidenciando apnéia, hipopnéia, dessaturação e microdespertar com ativação simpática intermitente demonstrada através do aumento da freqüência cardíaca.
www.neurosaude.com.br – Setor de distúrbios de sono- (47) 3322-1522 - Blumenau
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