domingo, 25 de maio de 2014

APNÉIA DO SONO NA INFÂNCIA




É comum ouvirmos falar sobre a apneia do sono em adultos. O que poucos sabem é que a Síndrome da Apnéia do Sono Obstrutiva, (SASO) é também comum na infância. A SASO infantil pode ocorrer em qualquer idade  sendo mais comum no pré escolar. Pode ser definida como: episódios repetitivos de interrupção total ou parcial do fluxo das vias aéreas superiores com manutenção do esforço respiratório.  É causada pela redução do calibre das vias aéreas. A fragmentação do sono e as alterações nas trocas gasosas podem causar prejuízos à saúde da criança.
A principal causa de obstrução anatômica é a hipertrofia das adenóides, seguida pelas alterações craniofaciais, particularmente a retromicrognatia e alterações do palato . A obstrucão é acentuada durante o sono devido ao relaxamento muscular.  No entanto, amígdalas e adenóides sozinhas nem sempre são capazes de causar SASO. Algumas crianças têm amígdalas e adenóides enormes sem SASO enquanto outras continuam tendo apnéia mesmo após retirá-las.  Não se pode, portanto, considerar apenas o seu tamanho para o diagnóstico de SASO. Além disto, algumas características da SASO na infância podem dificultar o diagnóstico.
No quadro clássico, observa-se ronco interrompido por pausas ou engasgos e associados a movimentos ou despertares. Entretanto alguns pacientes, especialmente lactentes ou aqueles com fraqueza muscular, podem não roncar. A história clínica também inclui sono inquieto, sudorese noturna , boca seca, cefaléia matinal, dormir em posições não usuais como sentadas ou com hiperextensão do pescoço, arritmias sinusais, enurese, respiração oral.  No entanto, o quadro clínico clássico não é a apresentação mais freqüente na infância. A Síndrome da Resistência das Vias Aéreas Superiores, (SRVA), e a Hipoventilação Obstrutiva Contínua são muito comuns. É necessário alertar para a existência destas formas mais leves de SASO, que tem como principal conseqüência distúrbios neurocomportamentais  e de aprendizagem e que são muito pouco diagnosticadas no nosso meio.
A SRVA é caracterizada por ronco contínuo e/ou respiração oral associados à repetidos microdespertares relacionados a esforço respiratório, sem apnéia, hipopneia ou dessaturação identificável, mas com aumento da pressão negativa esofageana. É comum a presença de respiração paradoxal. Está associada a significativo prejuízo cognitivo e comportamental em crianças, incluindo hiperatividade, déficit de atenção, dificuldades de aprendizagem irritabilidade e agressividade.  O ronco ocorre na maioria dos casos, mas existe a SRVA sem ronco. A Hipoventilação Obstrutiva consiste em longos períodos de obstrução parcial, acompanhada por alterações gasosas mas não de apnéias ou hipopnéias francas.  
O principal diagnóstico diferencial da SASO é o ronco primário que afeta 10% das crianças. Esta distinção não pode ser feita clinicamente, pela história, avaliação do ronco ou do tamanho das adenóides. As formas mais leves de SASO não são percebidas clinicamente porque não existe a apneia franca. Portanto, o ronco primário só pode ser distinguido da SASO pela polissonografia em clínica de sono, que é o exame de escolha para diagnóstico e avaliação de gravidade.
Diante destas características é fácil concluir que na maioria das vezes, apenas os casos mais graves com apneias evidentes são diagnosticados. O reconhecimento de prejuízos neurocognitivos  em crianças com formas mais leves tem feito os clínicos repensarem o limiar de distúrbio que requer intervenção.

CONSEQÜÊNCIAS
 As conseqüências da SASO, dependem da gravidade do quadro e vão desde os distúrbios neurocomportametais já descritos até hipertensão pulmonar e sistêmica e atraso de crescimento. A sonolência diurna, característica do adulto, é vista apenas em crianças maiores e adolescentes.
A hipoxemia representar risco potencial para o vulnerável cérebro em desenvolvimento. A hipertensão arterial sistêmica associada à SASO, comum na população adulta,  ocorre devido à ativação simpática intermitente durante os microdespertares. Na infância, devido a grande complacência vascular a elevação da PA não é tão proeminente mas pode contribuir para futura hipertensão no adulto.
Recentemente tem se dado maior ênfase às conseqüências comportamentais e cognitivas da SASO. Tem se verificado maior incidência de TDAH, (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade), em crianças com SASO. Os sintomas são semelhantes ao quadro típico de TDAH. A história do sono deve ser sempre pesquisada nestes pacientes, principalmente se o caso não preenche completamente os critérios ou não houve resposta ao tratamento. Se existe relato de ronco está indicado realizar uma polissonografia.  Existem inúmeros relatos na literatura de melhora do desempenho, aprendizado e comportamento após o tratamento. O tratamento tardio pode resultar em déficits acumulados no aprendizado que necessitarão de apoio pedagógico.
A cada apnéia ou hipopnéia segue-se uma reação de despertar observada ao eletrencefalograma que não se torna consciente, mas que permite um aumento do tônus muscular necessário para permitir uma inspiração profunda que encerra a apnéia e normaliza a saturação de oxigênio. Nas formas mais graves podem ocorrer centenas de microdespertares e isto dificulta a passagem para o estágio mais profundo do sono, a fase IV, podendo afetar a secreção do hormônio de crescimento que ocorre nesta fase. O atraso de crescimento frequentemente observado tem múltiplas causas além da possível redução na secreção do GH.  A hipoxemia, acidose, aumento do esforço e do gasto energético da respiração são os principais fatores envolvidos. Além disto, perda de apetite devido à perda do olfato, disfagia e inapetência podem contribuir.

TRATAMENTO

     Um dos maiores dilemas na medicina do sono na infância é quando tratar o distúrbio respiratório. Não há duvidas quanto ao tratamento da SASO severa que pode levar a cor pulmonale e atraso no crescimento. Existe também consenso de que o ronco primário não deve ser tratado com cirurgia. O grupo com alterações polissonograficas discretas é o controverso e o limiar de distúrbio que deve ser tratado não está bem definido na literatura. A adenotonsilectomia é o tratamento de escolha na maioria dos casos e geralmente leva a cura.  Há recuperação da velocidade de crescimento, assim como das funções cognitivas e do comportamento após a cirurgia.  
Nos casos de SASO em que as amígdalas e adenóides são pequenas porém existem outros fatores como dismorfismos faciais, Síndrome de Down e Paralisia Cerebral associados, a cirurgia deve ser considerada. Levando em consideração que a SASO resulta de fatores anatômicos e funcionais, aumentar a via aérea o máximo possível é sempre desejável nestes casos. Porém, uma reavaliação posterior será necessária para verificar a necessidade de tratamento suplementar.   Algumas alterações do palato e da ardada dentária podem causar SASO e podem ser tratadas com aparelhos ortodonticos.            Nos pacientes que não melhoram ou quando a adenotonsilectomia é contra indicada, o CPAP passa a ser uma  opção. Cirurgias craniofaciais são indicadas em casos específicos assim como perda de peso.  
   Alguns pacientes continuam a roncar e ter apneias após a cirurgia. Nestes casos, a hipertrofia  adenoamigdaliana pode ser apenas um fator exacerbador em pacientes que tem alguma outra anomalia estrutural ou funcional. Uma nova polissonografia deverá ser solicitada após 8 semanas de pós operatório. 

CASO CLÍNICO

   Criança de 9 anos, sexo masculino, realizou adenoamigdalectomia aos 4 anos e referia ausência de ronco desde então. Foi à consulta devido à dificuldade de aprendizado significativa, necessidade de acompanhamento psicopedagógico, apatia sinais compatíveis com déficit de atenção sem hiperatividade. Foi iniciado tratamento com metilfenidato com pouca resposta. A anamnese do sono evidenciou sonolência diurna, ausência de ronco, sono perturbado, inquieto, presença de despertares e a opção da própria criança de dormir com dois travesseiros. Ao exame clínico evidenciou-se micrognatia. A polissonografia, (abaixo), evidenciou índice de 12 apnéias/hipopnéias por hora, 20 microdespertares por hora, saturação mínima de 85% e redução na proporção das fases IV e REM do sono. O quadro foi considerado grave pelos parâmetros polissonográficos infantis. Foi indicado o uso do CPAP até que se estudasse melhor a possibilidade de cirurgia bucomaxilofacial .

Fig.1: Amostra da polissonografia do paciente acima evidenciando apnéia, hipopnéia, dessaturação e microdespertar com ativação simpática intermitente demonstrada através do aumento da freqüência cardíaca.

www.neurosaude.com.br – Setor de distúrbios de sono- (47) 3322-1522 - Blumenau

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