segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

A culinária e o cérebro




As festas de fim de ano são marcadas por encontros sociais e familiares em torno de uma boa e farta mesa. E o que o cérebro tem a ver com isso? Tudo! Nosso cérebro desenvolveu o fantástico número de 86 bilhões de neurônios graças à culinária.
A teoria, que pode parecer maluca, foi proposta pelo antropólogo Richard Wrangham. Ele sim era meio maluco e passou uns tempos no mato alimentando-se como um macaco para provar que não teríamos desenvolvido um cérebro com tantos neurônios comendo apenas vegetais crus. A neurocientista Suzana Herculano-Houzel popularizou a teoria e suas pesquisas deram-lhe maior embasamento científico.


Nossos ancestrais há aproximadamente 1,8 milhão de anos descobriram o fogo e como amaciar e melhorar o sabor dos alimentos pelo cozimento. O Homo erectus tinha um cérebro de 870 gramas e comendo apenas alimentos crus encontrados na natureza, não poderia ter um cérebro maior. A evolução levou ao Homo sapiens com um cérebro de 1,5 quilos e 86 bilhões de neurônios. Mas como? Manter o cérebro funcionando custa caro, seis calorias por bilhão de neurônios por dia.
Os gorilas tem 30 bilhões de neurônios e precisam passar 9 horas por dia comendo. Portanto, se continuássemos nos alimentando como os outros primatas, gastaríamos o dia todo procurando e consumindo alimentos para manter nosso corpo e cérebro. Impossível! Algo mudou ao longo da evolução e tudo indica que foi o cozimento que pré-digere o alimento quebrando suas moléculas. Isso levou a um maior aproveitamento dos nutrientes e possibilitou o desenvolvimento de um maior número de neurônios.
O tempo gasto com a alimentação reduziu, e assim, sobrou mais tempo para gastar os neurônios com coisas mais úteis e interessantes! Dessa forma, as ferramentas foram desenvolvidas, facilitando a caça, o surgimento da agricultura e gerando maior oferta de alimentos.

Antes, cada um comia sozinho aquilo que encontrasse na natureza. O cozimento fez com que toda a comunidade passasse a fazer suas refeições em conjunto, partilhando a comida, estreitando os laços sociais, desenvolvendo a linguagem e a troca de experiências. Surgiram cidades, comércio, cultura, tecnologia, restaurantes... Assim o cérebro e a humanidade se desenvolveram, tendo a culinária como pano de fundo. Reuniões em torno da comida existiam desde antes do Homo sapiens e continuamos fazendo isto até hoje, apoiados pelo sistema de recompensa do cérebro. 

Comer é essencial para a sobrevivência e, portanto causa sensação de prazer. Mais uma forcinha para a comilança! Juntou a fome com a vontade de comer! Embora ainda exista muita fome no mundo, nas regiões desenvolvidas comemos mais do que precisamos. Não por necessidade, mas por prazer. A indústria entrou na festa, criando alimentos cada vez mais saborosos e calóricos. 

Obter energia ficou muito fácil. Assim, aquilo que evolutivamente fez aumentar nosso cérebro, atualmente só faz crescer a nossa barriga e reduzir a saúde - inclusive a do próprio cérebro.
Qual a solução? Não precisamos voltar a nos alimentar como macacos, mas vai uma saladinha crua aí hoje?





Por Lucia Machado Haertel. Publicado no jornal O Tempo de Belo Horizonte em 20/12/2013 e revista Tie Break janeiro 2014 

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