terça-feira, 28 de janeiro de 2014

A neurologia na novela "Amor à Vida"


                                                                       Por Lucia Machado Haertel

 Publicado no jornal "O Tempo", Belo Horizonte em 20/09/2013 e na Revista Tie Break de Blumenau em setembro de 2013.

           As novelas ocasionalmente incluem, entre seus personagens, portadores de distúrbios neurológicos ou psiquiátricos. Já tivemos a síndrome de Down, dislexia e esquizofrenia muito bem representadas, mas a atual novela das nove bateu o recorde em gafes neurológicas! 
           Linda, a personagem autista da novela, pelo menos no início, vinha cumprindo bem o seu papel. 
           Entretanto, o Atílio foi difícil de engolir!


               Após um traumatismo crânio-encefálico, o personagem perdeu completamente a memória e não se lembrava mais sequer do próprio nome. Como se não fosse suficiente, ele também trocou de personalidade! Era um refinado e bem-sucedido empresário e tornou-se um homem vulgar chamado Gentil. Esqueceu-se de que já era casado com uma culta e educada mulher e casou-se de novo com uma espalhafatosa ex-chacrete. Aparecia sempre asquerosamente barbado, lambuzado e falando de boca cheia.
Seria isto possível? Só mesmo em novela!   A amnésia retrógada, ou seja, perda de memória para eventos passados, geralmente limita-se aos eventos ocorridos num curto período de tempo antes do trauma e que ainda não estavam consolidados na memória. Após o processo de consolidação que ocorre no hipocampo, a memória passa a ser armazenada em diversas áreas do cérebro. Por isso uma amnésia retrógrada global, como a de Atílio, é praticamente impossível. A lesão cerebral teria que ser tão extensa que deixaria outras graves sequelas. A pessoa perderia grande parte de suas habilidades cognitivas, teria dificuldades de comunicação, raciocínio e motricidade. Não permaneceria absolutamente normal como o personagem, apenas completamente desmemoriado.

                Já a amnésia anterógrada é perfeitamente possível. Ela ocorrerá se houver lesão do hipocampo. Localizado no lobo temporal ele é responsável pela aquisição de novas memórias.  Após a lesão, a pessoa se lembrará perfeitamente dos fatos antigos já armazenados, mas será incapaz de aprender ou memorizar qualquer informação nova. Se for apresentado a uma pessoa, poderá dialogar normalmente, mas após minutos ou horas, não se lembrará da conversa ou de já ter visto aquela pessoa antes. Isto foi muito bem representado no filme “Como se Fosse a Primeira Vez” em que a personagem tinha que ser reapresentada ao próprio marido todos os dias, pois o conheceu após a lesão.

               A mudança de personalidade, da forma foi apresentada na novela, também é irreal. Mudanças comportamentais podem ocorrer em traumas da região frontal do cérebro, como no famoso caso de Phineas Gage em 1848. Operário de uma ferrovia, ele estava socando pólvora com uma barra de ferro quando houve uma explosão. A barra de ferro penetrou no crânio causando uma grave lesão do lobo frontal.   
                        
    O rapaz, antes educado, responsável e trabalhador, teve uma brusca mudança de comportamento e personalidade. Tornou-se grosseiro, agressivo, mal educado e incapaz de respeitar regras sociais. Passou a brigar, falar palavrões e até urinar em público. Perdeu também o que chamamos de funções executivas e tornou-se distraído, ineficiente, irresponsável, incapaz de organizar-se e de tomar iniciativas. As sequelas foram definitivas tornando-o inapto para o trabalho. A memória, no entanto, permaneceu intacta.

               Voltando à novela, de repente, Atílio recuperou a memória! O vilão Felix teve uma brilhante ideia. Para evitar que suas falcatruas fossem reveladas, decidiu dar-lhe outra pancada na cabeça. Dito e feito! O requintado Atílio voltou a ser o maltrapilho e desmemoriado Gentil. Alguns capítulos depois outra pancada e eis de volta o Atílio, chiquérrimo.
                Colegas neurologistas e psiquiatras, esqueçam-se das descobertas da neurologia e da psicofarmacologia do último século. A novela propõe a terapia da paulada. Simples, rápida e barata. Voltamos à idade da pedra!  E assim, pancada vai, pancada vem, de Atílio para Gentil e vice-versa... Até que a última endireitou o cérebro de vez! Coitado do cérebro do Atílio. Como aguentou tanta cassetada?  Na novela, tudo é possível.  Até cassetada cura!
                Já curado, o espertinho decidiu continuar com as duas mulheres! Ao descobrir a traição, a primeira esposa decidiu interditá-lo por insanidade mental! Mas o que é isso? Ter duas esposas é ilegal e moralmente questionável, porém, não é sinal de insanidade mental! 
                A Rede Globo precisa contratar urgentemente uma consultoria neurológica e psiquiátrica!  Não bastando o caso do Atílio, a Paloma, uma personagem absolutamente normal, foi  internada numa clínica psiquiátrica e recebeu tratamento com eletrochoques! 

             A cena na TV foi grotesca e certamente influenciou a opinião pública aumentando o preconceito que já existe em relação às doenças mentais e tratamentos psiquiátricos. O eletrochoque é usado apenas em situações bem específicas e de forma segura, indolor e humanizada.



                E pra terminar, o gatíssimo e homossexual Eron, que vivia um relacionamento homoafetivo estável com o Niko há anos, se apaixonou pela Amarylis! É a cura gay na novela! Isto também a neurociência não explica...
                 
Obs. E no último capítulo, a gafe final. O personagem César teve um AVC hemorrágico no hemisfério cerebral esquerdo, comprometendo os movimentos do lado direito do corpo, correto. Porém nesses casos, geralmente  ocorre também uma afasia ( perda da fala ). Pra não se expor a esse vexame bastava a globo ter colocado o AVC do outro lado do cérebro! Onde está a consultoria neurológica???. 

A Sociedade Brasileira de Psiquiatria fez também um protesto devido a evolucão irreal da personagem autista Linda ,  sob o título: Autismo: é preciso esclarecer.  http://www.abp.org.br/portal/archive/16886 

domingo, 26 de janeiro de 2014

Maconha para uso medicinal?

                                                           Por Lucia Machado Haertel

                A revista Veja publicou recentemente uma matéria sobre o uso medicinal da maconha em alguns estados americanos e a legalização iminente para uso recreativo em dois deles. Seguindo fielmente a minha missão de zelar pela saúde dos neurônios, eu sou contra legalização, mas admito a existência de fortes argumentos a seu favor. A permissão apenas para uso medicinal é, no entanto, ridícula.

            
             A maconha é composta por diversas substâncias, constando entre elas o THC, o componente que dá o “barato” e o CBD, o componente com ação medicinal. Curiosamente, a maior parte dos “doentes” procura aquelas com maior teor de THC para, supostamente, curar seus males.  Apesar da exigência de receita médica para a compra, é possível ver alunos usando maconha em salas de aula e pessoas dirigindo enquanto fumam seu baseado medicinal no dia a dia nesses estados americanos. O risco de acidentes devido à lentidão dos reflexos é semelhante ao de pessoas alcoolizadas e não há sequer bafômetros para maconha! As lojas especializadas sabem que as receitas médicas são tão suspeitas quanto os doentes, mas fica tudo por isto mesmo. O turismo da maconha medicinal já é uma realidade e me parece estranho que Aspen, uma sofisticada estação de esqui, seja um dos destinos mais procurados pelos “doentes” que buscam a “cura pela erva”. Além da passagem aérea e da estadia em hotéis de luxo, não se esqueçam de comprar a receita médica!  

                Embora a maconha possua, de fato, ação analgésica, sedativa e antiemética, outros medicamentos eficientes para estes males já existem.  Sou a favor do uso apenas do componente medicinal, o CBD, isolado, sob a forma de medicamento para tratamento de epilepsias, espasticidade e outras doenças. Desta forma, ela seria inclusive mais eficaz e não seria mais maconha, seria o medicamento CBD. A verdade é que como medicamento, a maconha fumada tem um ótimo efeito recreativo e seu uso medicinal atualmente é um cinismo explícito. Os efeitos terapêuticos não compensam os seus riscos como droga.  E não venham me dizer que ela não faz mal e não vicia, porque isto a ciência já provou! Portanto, os governos deveriam ser claros: proibir totalmente ou legalizar de vez. Assim pelo menos assumiriam as consequências da medida: risco de esquizofrenia e de outras doenças mentais, perda de memória, redução do QI e o mais grave - a promoção do vício e da entrada dos adolescentes no mundo das outras drogas.

Publicado no Jornal de Santa Catarina, em 18/01/2014

sábado, 25 de janeiro de 2014

Sono da Beleza


Lucia Machado Haertel
É o que dizem: A vida é curta, e temos que aproveitá-la. Mas se é assim, então por que gastar um terço dela dormindo?  

A importância do sono para a consolidação das memórias adquiridas durante o dia e para garantir maior eficiência das funções cognitivas, atenção e aprendizagem no dia seguinte é bastante conhecida. Dormir não é simplesmente desligar o cérebro. Ele permanece ativo, fechado para balanço e assim deixa de receber estímulos externos do ambiente. Porém, muita coisa acontece nesta espécie de expediente interno do cérebro!
Menos conhecidos são os benefícios estéticos do sono. Para a alegria geral, a expressão “Sono da beleza” tem base científica. A responsável pelo milagre é a melatonina. Liberada pela glândula pineal do cérebro, ela é um potente antioxidante natural. Elimina os radicais livres e penetra no núcleo das células com ação protetora do DNA e antienvelhecimento. Pessoas com privação crônica de sono apresentam mais rugas de expressão, manchas, perda de elasticidade, flacidez e menor capacidade de regeneração.
Portanto, dormir é melhor do que Botox! É natural, não congela a cara, não dói na testa e nem no bolso. Basta apagar a luz! Sim, o escuro é uma condição primordial para a liberação da melatonina. Entretanto, na vida moderna a noite é relativa. Ao invés de dormir ficamos, madrugada adentro ligados na TV, computador, luz elétrica e assim a melatonina foi perdendo sua função como um cronobiótico que atua sincronizando o ciclo dia e noite ao nosso relógio biológico. Mesmo sendo conhecida como o hormônio do sono, paradoxalmente sua capacidade de nos colocar nos braços de Morfeu é fraquíssima.  Por isso, ela nunca teve muito prestígio na medicina, mas a descoberta dos seus efeitos anti envelhecimento ressuscitou-a direto para os blogs de beleza!
O outro hormônio com ação embelezante e secretado durante o sono é o hormônio do crescimento, que no adulto atua na renovação muscular, reduzindo a flacidez. Ainda na área do rejuvenescimento, uma boa noite de sono é importante para reduzir os níveis de cortisol, hormônio liberado em vigília e também relacionado ao estresse, o qual, em excesso, causa envelhecimento precoce. E pra terminar, o sono da beleza também emagrece! O sono de má qualidade altera a secreção de hormônios reguladores do metabolismo energético favorecendo o acumulo de gordura.
A novidade mais recente, no entanto, é um artigo da revista Science demonstrando que, durante o sono, são eliminados os metabólitos tóxicos resultantes da atividade cerebral do dia. Se não fossem eliminados causariam dano neuronal e prejuízo na performance cognitiva. Durante o sono, o volume das células cerebrais diminui e a circulação de líquido entre elas aumenta, levando embora a sujeira do dia numa verdadeira lavagem cerebral. É uma espécie de faxina noturna da “casinha”. Assim, além de te deixar mais bonito ou bonita, dormir bem pode literalmente limpar sua mente e clarear suas idéias!    

Publicado no jornal "O tempo" de Belo Horizonte e na revista Tie break de Blumenau

Inaugurando o blog!

Olá, amigos!

Ganhei um Blog de presente de natal da minha filha, e gostei muito. A ideia de ter um local para unificar todos os artigos e crônicas sobre o cérebro e o cotidiano que venho escrevendo me agradou, uma vez que sempre os tive esparsos em diversas mídias. 




Meus textos surgiram de forma natural, enquanto trabalhava na terceira edição do livro "Neuroanatomia Funcional" junto com meu pai, o Neurocientista Angelo Machado. Ele é utilizado em grande parte dos cursos de medicina do país, e sua primeira edição foi escrita pelo meu pai em 1974.

"Quando foi escrito, a neurociência não estava tão em voga como hoje. Porém, dede os anos 1990, a considerada década do cérebro, a situação mudou. Atualmente, o assunto é recorrente no Fantástico, no Jornal da Globo e em outras mídias. Pode-se dizer que meu pai foi pioneiro nessa área" - Trecho da entrevista dada à revista Tie Break em junho de 2013.




Portanto, é isso que pretendo fazer por aqui. Começarei publicando meus artigos e crônicas já conhecidos por alguns, e após completar essa tarefa, passarei a escrever em primeira mão aqui pra vocês. Meu maior objetivo é conseguir, da melhor forma possível, descomplicar essa máquina incrível, mas cheia de mistérios: O cérebro!


Caso vocês tenham qualquer tipo de dúvida, sugestão ou crítica sobre o blog, ou qualquer assunto a ele relacionado, sintam-se muito a vontade para me contatar por meio da caixa de diálogo ao lado. Será sempre um prazer receber comentários e responder qualquer tipo de dúvida de vocês!






E não se esqueça de se inscrever no blog para serem notificados de novas postagens! 




É isso, gente! Espero que gostem!


Um forte abraço,

Dra. Lúcia