Um dia destes, um biólogo desesperado procurou o meu pai. Como médico neurocientista, ao invés de um consultório ele tinha um laboratório de pesquisas sobre o cérebro na UFMG. De vez em quando aparecia alguém lá querendo se consultar e no máximo o que conseguia era um bom papo! O biólogo contou que estava com a nova namorada encostado no muro, no maior entusiasmo e... de repente começou a berrar feito louco e saiu correndo deixando a namorada sozinha! Não, ele não estava fugindo da mulher! Tinha é fobia de baratas e acabara de ver uma. Ele não tinha medo de cobras, de onça, de nada! Apenas de baratas e já tinha passado por diversas situações constrangedoras.
Afinal, o que é o medo e por que ele, às vezes, é tão irracional?
O
medo é uma função cerebral primordial para a sobrevivência. Bastante primitiva,
existe há milhões de anos e todos os vertebrados a tem. O centro do medo é a
amígdala cerebral (não é a da garganta, viu?). É do tamanho de um feijão, porém
extremamente poderosa. Ela recebe informações de todos os órgãos sensoriais e
na percepção de algo potencialmente perigoso desencadeia uma reação de alarme
que rapidamente atinge todo o organismo preparando o indivíduo para lutar ou
fugir! Na pré-história era a única opção diante do inimigo já que a diplomacia
e negociações vieram depois! É a chamada
reação de emergência de Cannon: A adrenalina
é liberada, as pupilas se dilatam, a pressão arterial aumenta, o coração
dispara, a respiração acelera, o glicogênio é mobilizado para dar energia, o
sangue se concentra no coração e nos músculos. Pronto, você está preparado para
correr! Além disso, tem uns detalhes
bizarros: uma outra área cerebral faz você produzir caretas características de
forma automática. Se você pretende lutar faz cara de raiva e berra para intimidar
o inimigo; se pretende fugir faz cara de medo, berra também e... pernas pra que
te quero! Medo e raiva são reações primitivas que no homem evoluído são
controladas por outras áreas cerebrais destacando-se o córtex pré-frontal. Este faz uma análise mais elaborada da
situação e por isto demora alguns segundos para reagir. Às vezes não dá tempo de
controlar a amígdala que age por impulso!
Vemos um vulto na escuridão, a amígdala dá o
alarme, pode ser perigoso! A tal reação de emergência de Cannon começa. Em seguida
o córtex pré-frontal analisa melhor, vê que era só a sombra de uma árvore e aborta
a reação que vira apenas um susto. E se fosse um bandido armado? Esta parte
primitiva do seu cérebro iria desencadear automaticamente a reação de fugir ou lutar
como se ainda vivêssemos na pré-história. Mas no mundo moderno com armas de
fogo não podemos mais fazer isto! Portanto, respire fundo, conte até três pra
dar tempo do teu córtex frontal tomar a decisão correta de paralisar, não
reagir e obedecer! Senão... a tal reação de emergência pode fazer você entrar
pelo Cannon!!
Nos
quadros de ansiedade, fobia e pânico esta área cerebral funciona de forma
desregulada. Na Síndrome do pânico, a reação de emergência ocorre na ausência
de um perigo real. Na fobia por baratas, provavelmente na primeira vez em que o
biólogo viu uma, houve uma hiperativação da amígdala, sem modulação. A reação
foi memorizada passou a ocorrer a cada vez em que ele era exposto àquele
estímulo, ou só de pensar nele.
Crianças
nascem sem medo. Os pais, educadores ou o ambiente vão ensinando o que deve ser
temido. É bom não exagerar nos “ensinamentos”, pois as amígdalas são poderosas,
tem pouca plasticidade (“jogo de cintura”) e nunca se sabe quando uma reação
fóbica acontecerá. Instalada a fobia, não adianta dizer coisas como: “ deixa de
ser medroso!”ou “que bobeira, não precisa ter medo!”. Quem vai ter que dizer isto ao fóbico é seu
próprio cérebro! Algo vai ter que mudar lá dentro, nos circuitos cerebrais. O
medo nem sempre é racional e cada um tem os seus! Como a fobia foi aprendida é
possível fazer o cérebro desaprender, ou pelo menos aprender a controlá-la.
Sob controle, o medo é uma emoção fundamental,
pois leva o indivíduo a agir com cautela e ter preocupações normais no dia-a-dia.
Boas decisões são tomadas com a adequada avaliação de riscos e consequências. Um
indivíduo que não tem medo de nada, não sabe lidar com situações de risco e
toma decisões desastrosas. As áreas cerebrais capazes de controlar o medo
excessivo terão que fortalecer seus circuitos inibitórios sobre a amígdala. Criada para proteger o indivíduo de riscos
reais, a amígdala tem reação mais rápida e controla-la pode demorar um pouco.
Isto é possível através da ajuda de psicoterapia e se necessário, de
medicamentos.
Assim,
o melhor é não favorecer o aparecimento das fobias em crianças. Que tal começar
não cantando aquelas musiquinhas inocentes de ninar como: “ boi da cara preta,
pega este menino...”, “dorme nenê que a cuca vem pegar...”, “bicho papão sai de
cima do telhado...”. Não se deve utilizar
o medo como ameaça para controlar o comportamento de crianças. Fale sempre a
verdade! O medo é importante para proteger a criança e não pra facilitar a vida
dos pais e educadores!
Alguns
pais já entram no consultório dizendo: “Se você não ficar quieto a doutora vai
te dar injeção!”
Eu???
Que mentira!!! Não dou injeção em ninguém!
Dra. Lucia Machado Haertel - Neurologia Infantil (47) 3322-1522
Publicado também na revista Tie Break - Blumenau-SC
Dra. Lucia Machado Haertel - Neurologia Infantil (47) 3322-1522
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