terça-feira, 29 de abril de 2014

A importância do sono

A importância do sono fica evidente quando entendemos a complexidade dos sistemas cerebrais envolvidos na regulação do ciclo sono e vigília. Ao contrário do que se imagina, durante o sono cérebro não está inativo, apenas fecha as portas de entrada aos estímulos do ambiente exterior, fazendo apenas expediente interno! Existe atividade cerebral em todas as fases do sono especialmente durante o sono REM. Nesta fase ocorrem os sonhos e cérebro está tão ativo quanto em vigília.
Experiências extremas em que animais de laboratório foram impedidos de dormir por vários dias seguidos resultaram na morte do animal em algumas semanas devido a um descontrole metabólico, aumento incontrolável da temperatura corporal, caquexia e queda da imunidade. Questionáveis pela crueldade, tais experimentos provaram que o sono é fundamental para a vida. 
O sono tem uma função reparadora para o corpo e para o cérebro. Ocorre redução da pressão arterial, diminuição dos batimentos cardíacos, relaxamento muscular, redução da produção de urina, ou seja, os vários sistemas descansam durante o sono.
 Alguns hormônios são secretados durante o sono. O mais conhecido é o hormônio de crescimento que é secretado na fase IV.  Já o cortisol, hormônio relacionado ao stress tem seu nível reduzido durante o sono. Varias outras substâncias e hormônios tem sua secreção relacionada ao ciclo sono-vigília como a insulina e os hormônios tireoideanos. Isto é importante para o bom funcionamento e equilíbrio energético do organismo.   O sono também é importante para manter a capacidade do cérebro de controlar a temperatura corporal, a termorregulação.
            Durante o sono REM ocorre intensa atividade cerebral e acredita-se que nesta fase há a consolidação do que foi  aprendido durante o dia. É como se o aprendizado ocorresse em duas fases, a primeira durante o dia com o estudo e a segunda durante a noite quando são consolidadas. Mas para isto acontecer é necessário uma noite inteira de sono com todas as suas fases. O sono REM predomina na segunda metade da noite, portanto dormir menos numa véspera de prova vai comprometer a consolidação  do que foi estudado durante o dia. Passar a noite em claro ou acordar de madrugada para estudar em cima da hora também não é uma boa idéia.  Durante o sono alguns neurotransmissores  importantes para o estado de alerta e atenção , como a noradrenalina, encontram-se inibidos. Isto é importante para restabelecer seus níveis e garantir uma maior eficiência destas funções cerebrais no dia seguinte. Assim, dormir bem é fundamental para o aprendizado.

Matéria publicada na revista UNIMED Edição 73 http://www.mundieditora.com.br/i/190179/23
·         Leia também o artigo “o sono da beleza” neste blog.

O sono de má qualidade e suas consequências
A perda eventual de uma noite de sono tem como consequência apenas a perda de produtividade no dia seguinte devido à falta de atenção, sensação de cansaço e sonolência. O organismo consegue compensar na noite seguinte.
O sono de má qualidade ou a privação de sono de forma crônica pode, entretanto causar prejuízos ao organismo. O cortisol um hormônio que é liberado em vigília precisa ter seus níveis reduzidos durante o sono. A privação crônica de sono altera o controle dos níveis de cortisol. O cortisol em excesso leva a queda de imunidade, morte neuronal e redução da neurogenese no hipocampo, o responsável pela aquisição de novas memórias.  Altera também a resposta do organismo ao stress, causa morte celular e envelhecimento precoce.
Quem não dorme bem também tem maior tendência a obesidade. Durante o sono os níveis de leptina, hormônio que inibe o apetite aumenta. O nível de grelina e insulina diminuem porque as necessidades energéticas diminuem. Dormir pouco ou dormir mal altera a regulação destes hormônios levando ao aumento de ingestão de alimentos e alteração do metabolismo energético favorecendo o acumulo de gordura.
A sonolência excessiva diurna é o principal sintoma nos casos dos distúrbios intrínsecos do sono que levam ao sono não reparador. O mais comum e mais grave é a Síndrome da apnéia do sono obstrutiva*. Nestes casos a presença de ronco dá o alerta e a investigação é feita através da polissonografia. .


Suite para a realização de polissonografia. 
Clínica Neurosaúde Blumenau- Setor de Distúrbios do sono. Fone (47) 3322-1522   

 * Aguardem a postagem do artigo: “Apneia do sono”, neste blog

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Autismo e Asperger - Diagnósticos mais claros

 Considerado, de forma geral, um distúrbio de desenvolvimento causado por condições genéticas, o autismo tem como característica fundamental o prejuízo na comunicação social e a presença de comportamentos peculiares. Alguns sinais como a dificuldade de contato ocular podem ser percebidos desde os primeiros meses de vida. 
A neurologista infantil Lúcia Machado Haertel explica que crianças com, aproximadamente, um ano e meio de idade ainda não têm a comunicação verbal totalmente desenvolvida. Por isso, nessa idade, deve existir uma comunicação não verbal bastante rica, com manifestações das emoções através de mimicas, gestos e expressões faciais diversas. “Entre um e dois anos, a criança observa muito as expressões faciais da mãe. A falta dessa interação é um sinal de alerta precoce para o diagnóstico do autismo. Ao longo dos próximos meses, o quadro vai se definindo melhor. Outros sinais na criança são a falta de comportamentos de imitação, de apontar, mostrar e trazer objetos de interesse para compartilhar”, diz a neuropediatra.
Geralmente, há uma falta de interesse por pessoas, não havendo uma reciprocidade social. A ausência ou dificuldade na comunicação social priva a criança de estímulos adequados para o desenvolvimento. Por isso, é muito importante o diagnóstico e a intervenção precoces. Mesmo não existindo uma cura, muitos dos sintomas podem ser amenizados com terapias de estimulação. Os autistas mais graves podem não desenvolver a linguagem verbal e apresentar grandes limitações necessitando de suporte significativo ao longo de toda a vida.  Outros com formas leves, bom  nível intelectual e de linguagem podem achar um nicho que se adapte a suas habilidades e interesses especiais e, assim, viver e trabalhar de forma independente. Mas permanecem socialmente  vulneráveis, com dificuldades para lidar com as demandas diárias sem ajuda”, salienta Dra. Lúcia.
Critérios para diagnóstico do Autismo
As limitações e prognóstico estão relacionados com o nível de gravidade  do transtorno. Têm melhor prognóstico aqueles que não apresentam comprometimento intelectual e conseguem desenvolver uma linguagem funcional até os cinco anos. O diagnóstico é feito clinicamente.  Os critérios mais aceitos mundialmente estão  no Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders - DSM), publicado pela Academia Americana de Psiquiatria. 
 Síndrome de Asperger
Há um ano o DSM passou por uma revisão que aboliu a Síndrome de Asperger como diagnóstico. Na atual classificação do DSM 5, só existe o Transtorno do Espectro Autista dividido em três níveis de gravidade.  “As características básicas continuam as mesmas nos três níveis, mas variam na intensidade justificando a denominação de Espectro Autista ”, explica a neurologista.
 Dra Lucia explica que, desde 1994, com a inclusão no DSM-4, a Síndrome de Asperger vem causando controvérsias. O único critério que a diferenciava do autismo leve era que, na síndrome de Asperger, não poderia haver atraso no desenvolvimento da linguagem.  Os critérios antigos davam margem a interpretações pessoais principalmente por não especialistas. Isso, associado à popularização e utilização indiscriminada do DSM como se fosse um manual de instruções, causou uma ‘epidemia’ mundial da Síndrome de Asperger.  Assim, com as mudanças atuais no DSM 5 haverão diagnósticos mais precisos. “Os pacientes anteriormente diagnosticados com Síndrome de Asperger deverão ser reavaliados e, se preencherem os novos critérios, serão considerados autistas. Se não preencherem, deverão ser avaliadas outras possibilidades de diagnóstico diferencial. Com critérios mais bem definidos,  parte dos pacientes não poderão ser considerados autistas”, afirma a neurologista.
Afinal, crianças podem ter dificuldades de socialização também por timidez, fobia social, imaturidade no desenvolvimento, deficiência intelectual, falta de limites, transtorno do déficit de atenção e hiperatividade, transtorno desafiador opositivo, entre outros. Outro fato que costuma ser indevidamente avaliado é a presença de padrões repetitivos de comportamento e interesse.
“Pré-escolares normais apresentam fases em que preferem um tipo de brinquedo, querem ver o mesmo filme ou escutar  a mesma historia várias vezes e isso isoladamente não é diagnóstico de autismo. Afinal que menino normal nunca teve uma fase de paixão por dinossauros? A repetição faz parte do aprendizado infantil. Para a suspeita de autismo os padrões de interesses restritos devem  intensos e anormais em relação aos padrões habituais da idade, como, por exemplo, uma criança que passa horas enfileirando carrinhos sem brincar com eles ou um menino de  5 anos que se comunica mal mas já memorizou todas as marcas de carro e só quer desenhar placas de transito.”, explica. O diagnóstico correto é importante para que haja uma intervenção adequada.
Versão resumida publicada na revista UNIMED de Blumenau, edição 79.
http://www.mundieditora.com.br/h/i/8512443-unimed-79-digital
 Mais informações:  Dra. Lúcia Machado Haertel
Neurologia Infantil – CRM 6338   (47) 3322-1522



sexta-feira, 4 de abril de 2014

E aquela história dos 10% do cérebro?



                Será que usamos mesmo apenas 10% do nosso cérebro? 
                Em relação a esta frase, a única coisa que a ciência não consegue explicar é como este mito surgiu. Afinal, a afirmação não faz nenhum sentido. A natureza não passaria centenas de milhares de anos aperfeiçoando sua obra prima, desenvolvendo um cérebro com 86 bilhões de neurônios para depois usar só 10%.


Originar neurônios a partir de células-tronco até eles estarem armazenando informações é um processo muito complexo. Neurônios custam muito caro! Nossas trilhões de sinapses são oriundas da síntese de proteínas, e a bainha de mielina, material isolante que possibilita a condução do impulso elétrico pelo axônio, é constituída por lipídeos. Há milhares de anos, nutrientes nobres como proteínas e lipídeos não podiam ser encontrados em supermercados!  Evolutivamente, desperdiçar matéria prima para formar e manter tantos neurônios inúteis não faria sentido algum. Desperdício é coisa do homem moderno, e neste ponto, ter um supercérebro não vem ajudando muito! Além disso, neurônios são nobres e vivem na mordomia, cercados pelas células da glia, suas assistentes pessoais. Sua função é alimentar, proteger e desintoxicar nossos neurônios fazendo hora extra e adicional noturno na adolescência! Manter tantos colaboradores também é biologicamente caro. Com apenas 2% do peso corporal, o cérebro consome 20% da energia do organismo.
                 Alguns afirmam que os 90% serviriam de reserva para recuperar lesões. Isso seria ótimo! Mas, infelizmente, nosso cérebro foi moldado na pré-história e antes do advento da medicina, a seleção natural era cruel. Só os mais fortes sobreviviam, e a expectativa de vida era extremamente curta. Ter reserva não faria sentido! Portanto, querido adolescente, se você beber, bater o carro e sofrer uma lesão cerebral poderá até se recuperar, mas não à custa dos 90% da dita reserva e sim do trabalho dobrado dos neurônios que sobraram! Neurônios não se regeneram. Pensem nisso e cuidem bem dos seus!
                A ciência já provou que neurônios inativos morrem. Portanto, não existem neurônios inativos e nós usamos sempre 100% do nosso cérebro. Ponto final. Mesmo no cérebro infantil, o qual possui um maior número de neurônios, eles estão todos ativos e formando circuitos, ainda que mais básicos. Com a idade, vai ocorrendo uma seleção dos circuitos mais úteis e eficientes, e neurônios não utilizados sofrem um processo de morte natural programada.
Usamos sempre todo o potencial do nosso cérebro para determinada atividade. O que pode variar é a eficiência. Esta variação pode ser significativa de um dia para o outro, dependendo dos nossos chamados “sistemas modulatórios de projeção difusa”, os quais “temperam” aqui e ali o nosso cérebro com neurotransmissores como a noradrenalina, a dopamina e a serotonina entre outros. Tais “temperinhos” regulam nosso estado de alerta, de atenção, de motivação e de humor, influenciando significativamente o nosso desempenho e nossa memória a cada momento. Todos sabem como é difícil ler um texto quando estamos sonolentos, desatentos, desanimados ou de mau humor!
                Mas se já usamos 100% do cérebro, como podemos aprender coisas novas e melhorar nossas habilidades?
A capacidade de aprender é ilimitada. Você pode aprender qualquer coisa - desde que haja dedicação. A base do aprendizado é a formação de novas conexões sinápticas, o fortalecimento das já existentes e a formação de novas associações entre neurônios, criando circuitos mais complexos. Não ocorre através do recrutamento de neurônios que estavam à toa! Na verdade um aprendizado quando bem consolidado, exigirá menor número de neurônios para mantê-lo.
               
                A história dos 10% é tão difundida que existem livros de autoajuda ensinando como usar os outros 90%! É a “neuróbica”, a malhação do cérebro. Malhar o cérebro é aconselhável, desde que com atividades que estimulem a memória, a atenção, o raciocínio, a imaginação; ou seja, que resultem na formação de sinapses úteis. O sistema nervoso é plástico. Se for estimulado, aumenta seu o potencial. Mesmo com toda a tecnologia existente no século XXI, o melhor estimulante para o cérebro ainda é uma boa leitura. A atividade física regular também é eficiente, uma vez que libera neurotransmissores que melhoram o funcionamento geral do cérebro e da memória.

Mas cuidado com a "neuróbica" que propõe exercícios esdrúxulos como andar pela casa de olhos fechados, ler de cabeça para baixo, comer chucrute com melancia, usar a mão esquerda para escovar os dentes ou fazer outras coisas estranhas com o objetivo de estimular neurônios inativos do cérebro. Isto não faz sentido! Mesmo nos casos de reabilitação após uma lesão cerebral,  a melhora ocorrerá basicamente pela formação de novas sinapses e circuitos.   

                Fiz meu próprio experimento científico no  meu clube. Após uma grave lesão jogando tênis, fiquei três meses com o braço direito completamente imobilizado. Usar apenas a mão esquerda durante três meses provocou, de fato, algumas alterações temporárias no meu cérebro, mas apenas nas áreas que regulam o meu estado de humor. Que coisa mais chata! Infelizmente, não fiquei nem um pouco mais inteligente por isso...

Publicado na revista Tie Break. Blumenau-SC